23 de fev. de 2012

A Origem Oculta do Romantismo


Aproveitei o feriadão do Carnaval para terminar de ler "The Legends of King Arthur and His Knights", de autoria de Sir James Knowles. Para quem tem um Kindle, o download é gratuito na loja virtual da Amazon.com. 


Sir Knowles (n. 1831, m. 1908) reúne num único livro as principais lendas arturianas relacionadas aos Cavaleiros da Távola Redonda as quais, uma vez imortalizadas pelos bardos medievais itinerantes, resultaram na popularização do amor platônico entre a dama do castelo e o cavaleiro errante como nobre ideal do relacionamento homem-mulher a ser alcançado e vivido pelo homem comum.

Esta influência se intensificou através dos séculos e ganhou força e expressão mundiais com o movimento literário homônimo que durante o século XIX reforçou o aspecto pessimista do Romantismo, a julgar pela profusão de referências à morte e ao arrebatamento passional encontradas na literatura deste período. Tal ênfase exagerada e utópica fatalmente resultava na loucura ou finais infelizes dos protagonistas literários, com conseqüências bem reais e funestas para seus autores - ipsis literis.

Hoje, o ideal romântico está tão impregnado em nossa alma e cultura ocidentais que é praticamente impossível pensar, sentir ou agir sem que cumpramos ou nos conformemos a, seja consciente ou inconscientemente, algum imperativo arturiano profundamente enraizado em nosso interior. E, quando após extenuante batalha travada com nosso íntimo tentamos fugir dessa influência, a cultura, em seu metafísico papel de âncora exterior de tudo que o vemos, sentimos, somos e fazemos, trata de fechar as portas de saída por meio de seus poderosos agentes midiáticos - o romance água-com-açúcar Sabrina, a música de dor-de-cotovelo ou desespero existencial de Elvis Presley, Amy Winehouse e Adele, e as comédias românticas de Jeniffer Aniston e Cameron Diaz, para citar alguns - e assim somos lançados de novo no abismo de desespero tão comum aos românticos fracassados.


Todavia, poucos se dão conta da (falta de) caráter e integridade morais dos principais personagens envolvidos com os primórdios do cavaleiro de armadura brilhante e das donzelas eternamente em perigo. Um exame objetivo destes aspectos certamente lança luz sobre a inerente contradição entre a suposta pureza do amor platônico mantido pelos personagens, e a conseqüente derrocada moral de todo um reino quando este mesmo amor foi levado às últimas conseqüências. 

Meu argumento se faz claro quando opomos ao ideal do amor platônico o fato de que as damas em questão eram casadas, impedidas pelo laço matrimonial, portanto, de procurar satisfação emocional e sexual fora do relacionamento conjugal. O principal casus belli é o longo e promíscuo relacionamento entre Sir Lancelot e a rainha Guinevere, que, mesmo após contrair núpcias com Artur, manteve uma proximidade escandalosa com Lancelot, fato que uma vez exposto publicamente causou o gradual enfraquecimento do reino, e resultou na morte de Artur e no desaparecimento da Távola Redonda. 

É fato também que Lancelot e Guinevere foram imortalizados como modelos de comportamento e século após século, tem sido emulados por homens e mulheres do mundo ocidental, sejam eles ricos ou pobres, cultos ou incultos. Este movimento iniciou-se com o grande número de cavaleiros que buscavam as bençãos e o patrocínio de Lancelot, cuja popularidade e fama foram por sua vez reforçadas pelos inúmeros torneios que ganhou ostentando a prenda da rainha casada. As glórias destas aventuras foram matéria-prima de canções para os bardos, que por sua vez as levaram para cada rincão e vilarejo do reino, o que gerou um enorme efeito em cadeia - mais jovens cavaleiros buscando a fama, glória, e uma donzela em perigo para chamar de sua.

As aventuras destes cavaleiros - em sua maioria jovens imberbes sem nenhum tipo de freio moral ou discernimento que só a maturidade e o julgamento prudente dos fatos e circunstâncias pode trazer - significavam, de acordo com os relatos de Sir Knowles, perambular pelas florestas encantadas, quebrar lanças com cavaleiros transeuntes durante horas a fio até que alguém resolvesse sacar a espada, interpelar rudemente os que preferiam viajar incógnitos, e decepar a cabeça - num único e certeiro golpe, é bom frisar - de donzelas e cavaleiros sem distinção, pela mera suspeita de traição ou recusa de rendição. Ao eleger uma donzela como guardiã de seu coração e honra, o cavaleiro se propunha a praticar todos estes atos infames como prova pública de sua fidelidade e lealdade incondicional à ela, o que só reforça o absurdo da situação.

É digno de nota também que a ausência da consumação sexual era substituída pela ousadia na experimentação inconsequente da proximidade física como teste supremo da pureza e da inocência do amor. Imagine só, a dama e o cavaleiro chegavam ao extremo de dormirem juntos na mesma cama, nus como vieram ao mundo, tendo entre si apenas a espada desembainhada do cavaleiro como fiel da castidade mútua...

Esta é, meus amigos, a origem de atitudes atualmente tão banais e corriqueiras como fazer a côrte, cantar serenatas, escrever cartas de amor, sonhar com lindos castelos nas nuvens, e suspirar pelo príncipe encantado.

Portanto, amigo romântico desesperado, sempre que sentir um impulso romântico, resista com todas as forças, pois, se não morreres de amor, podes acabar como Augusto dos Anjos, que uma vez declamou: 
Não sou capaz de amar mulher alguma, / Nem há mulher talvez capaz de amar-me
Mas isto é assunto para um outro post.